Crocodarium (a revista)

CROCODARIUM No 1 Setembro de 2018

Colaboraram neste número: 

Renato Suttana (Brasil)

Javier Seco (Espanha)

Manoel de Almeida e Sousa (Portugal) 

Martim d’Alba (Portugal)

Rafael Dionísio (Portugal)

Pere Sousa (Espanha)

Clemente Padin (Uruguay)

Fernando Rebelo (Portugal)

Roberto Keppler (Brasil)

Madalena de V. e Sá (Portugal)

Manuel Neto dos Santos (Portugal)

José Bivar (Portugal)

António Gomez (Espanha)

Maya Lopez Muro (Argentina)

Textos/imagens Dadaístas de Francis Picabia, Hans Arp, Hugo Ball, Tristan Tzara, Richar Huelsenbeck, Geoge Grosz, John Heartfield, Raoul Hausman, Kurt Schwitters

CROCODARIUM No 2 — Cascais, Fevereiro de 2019

Neste número colaboraram:

Fernando Aguiar

Vitor Cardeira

Marino Rossetti

Marita Moreno Ferreira

Bruno Vilão

Manoel de Almeida e Sousa

Rafael Dionísio

Rrenato Suttana

Angela Coporaso

Álvaro de Mendonça

Edward Kulemin

Pere Sousa

texto d’arquivo de Victor Belém 

capa e arranjo gráfico: m. almeida e sousa — contra-capa: foto “viagem ao dentista” autor desconhecido 

CROCODARIUM No 3 – Cascais, Setembro de 2019

Colaboraram:

Renato Suttana

Vitor Cardeira

Vergilio Alberto Vieira

Fernando Grade

Martim d’Alba

M. de Almeida e Sousa

Bruno Vilão

Pere Sousa

Rafael Dionísio

Margarida Azevedo

Pepita Tristão

João Rasteiro

Maria João Carrilho

Angela Coporaso

Fernando Aguiar

Felipe Zapico Alonzo

Fernando Faria

Mário Rui Pinto

Marco Ferro

Luis Meireles

CAPA: — desenho original de LUD (Ludgero Viegas Pinto – pintor ligado ao movimento surrealista (Lisboa, 3 de Junho de 1948 – f. em 2001) 

CONTRA-CAPA: — colagem de Mário Cesariny de Vasconcelos – pintor e poeta ligado ao movimento surrealista (Lisboa 1923 – 2006) 

CROCODARIUM No 4 — Cascais, Maio de 2020

número dedicado às mulheres ligadas ao movimento DÁDÁ

convidados:

Ana Menezes

Ana Aly

Cristiano Sheppard Cruz

Fernando Aguiar

Fernando Grade

João Rasteiro

Mário Rui Pinto

Pere Sousa

Rafael Dionísio

Renato Suttana

Serse Luigetti 

+ um texto dramático de Mário Cesariny de Vasconcelos
e… um poema de Fernando Pessoa 

capa e arranjo gráfico: m. almeida e sousa 

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Crocodarium é uma edição de “Mandrágora” (associação cultural fundada em Cascais no ano de 1979 – Para aquisição destes números da revista contactar por mail:

mandragora.pesquisarte@gmail.com

O negócio das esplanadas

poema de vitor cardeira

desenho de rui dias simão

 

Algumas vezes os milagres acontecem
Nas esplanadas do café e não chegam a horas
Para acordar quem precisa de repousar
Das loucas filas que se estabelecem
Nos esconsos armário da felicidade.

Há pessoas que tomam pílulas para dormir
Quando descobrem que a vigília é um estado
Terminal que visa perpetuar as conversas ambulantes,
As serpentes que perseguem as caras que emergem das noites.
Pesadelos ambiciosos no sono inútil, cancro que se instala
Nas ideias que fumegam nas chávenas de café.

O café é forte e o empregado atende as velhas
Com malandrice concupiscente. Ali, só a morte
Impõe o cumprimento da vida. Se não morrêssemos,
Ninguém largaria uma conversa a meio, ninguém
Se levantaria da esplanada fria sem se despedir
Para sempre. Todos fumávamos e ríamos e troçávamos
Da inflação, não haveria subsídio de férias, nem paraísos fiscais,
Nem mesmo bancos na Suíça. As férias seriam eternas
E a sobrevivência estava assegurada pela imortalidade.
Não haveria ambivalência nos escritórios onde
Se negoceiam as dívidas soberanas e as agências
De rating não fariam poemas atirando dados.
desenho-ruidiassimão
Nas esplanadas continuar-se-ia a tomar café,
Talvez aguardente de medronho da serra, as velhas
Seriam mais velhas, pois a morte nunca chegaria,
E os coveiros frequentariam workshops, fazendo
up grade dos ossos que manipulavam,
E passariam a exercer carreiras de sucesso
No mundo da alta finança.

No crescente e rentável negócio das esplanadas,
O tráfico de influências daria lugar a happenings
De solidariedade social, performances plásticas
Sem redundância nenhuma, sorteios de ganâncias
Desprovidas de valor ou meetings de pontos de vista dejá vus.
O vil metal chegaria de mercedes-benz, e de carro funerário,
E no coche barroco do falecido d João 5º.
Falecido??!! O que é isso?, perguntariam as crianças
Post mortem. No passado as pessoas morriam,
Ausentavam-se para sempre, explicaria um transeunte
Manhoso, erguendo, respeitosamente, os olhos ao céu.

Há cadáveres famosos que nos enformam os desejos.
Teimam, mesmo defuntos – descansados sejam -, em alienar-nos
O pensamento, em gritar fazendo estremecer as pedras
Tumulares. Se não morrêssemos, o futuro não seria o vazio
Que tentamos escravizar, o mundo que não conseguimos
Desocultar quando avançamos na escuridão.

Na esplanada os pássaros depenicam partículas
Recebidas por correio eletrónico, provocam os adultos
Com peidos monumentais e sorriem às crianças
Que os escolhem para amigos desinteressados.

Se não morrêssemos os cientistas deixariam
De tentar explicar as coisas e tentariam interpretar o nada,
O nada e a sombra que anuncia o fim sem fim. Nem é fácil
Imaginar o poder dos mecanismos que regem os mercados,
Nem fácil colocar bombas nas instalações dos bancos de investimento.
O grito fascista que ecoou na Ibéria profunda encontra
Seguidores nos caminhos irregulares dos desvalidos.
Viva la muerte, será o regresso às origens onde o vento
Açoita a tarde.

Nas esplanadas voltarão a ouvir-se os lamentos
Das vozes que reverberam as parangonas dos jornais.