acordámos com o acordar do acordo & sempre em desacordo

bloco-tijolo

 o que queremos dizer hoje, depois da academia das ciências de lisboa ter promovido um colóquio intitulado “ortografia e bom senso”, é que acordamos sem no entanto discordar da “coisa”. isso… escrita
a coisa-escrita
para o efeito divulgaremos as fotografias do grande evento cultural e, só depois, reescreveremos “os lusíadas” em acordo com todos os acordos – e… em simultâneo
com quaisquer letras navegaremos a bordo de uma escrita ambígua, omissa e, porque não, lacunar. logo e, definitivamente, não estabeleceremos uma ortografia única e tão pouco inequívoca. o nosso percurso será – mesmo – outro
para o efeito consultámos o senhor ministro e também o cronista rui tavares para além do historiador rui tavares, o ex deputado rui tavares, o pensador-livre rui tavares e outros grandes cérebros da nação – ainda vivos
propomos, portanto, a defesa intransigente de um registo adequado à variante portuguesa e a todas as outras variantes (desde o minho ao algarve, do brasil a timor – sem esquecer o estreito de magalhães – espaço geográfico hoje colonizado pela língua castelhana)
tal acto implicará certo espírito conciliatório. e tal espírito, como será normal, virá a esclarecer que esse propósito não significa (jamais significará) rejeitar a nova ortografia. antes aprimorá-la ou expropriá-la das regras mais elementares da ortografia – retocá-la-emos com pincéis apropriados em determinados pontos – com o único objectivo de fixar a nomenclatura do vocabulário nos muitos dicionários da academia
importante será dar um (ou muitos mais) forte contributo para a sistematização de critérios e orientações, em prol de uma maior regularização e, em consequência, atingir uma escrita escorreita – aos lados, por cima e por baixo daquilo que entendamos correcto
em conclusão: as ideias expostas propõem, de facto, aproximar o escrevente ao uso de canetas de bicos achatados. só assim, a cultura nacional (logo ocidental) poderá subir às videiras e afirmar-se com uma escrita cada vez mais ao sabor-do-vento e um atento olhar sobre os nossos guarda-roupa para melhor suportar a pressão excessiva e, logicamente, arrancar tijolos dirigidos a quaisquer críticos do sistema

da escrita (do português) – excelente documento de origem angolana

fernão mendes pinto

fernão mendes pinto

 

Editorial do “Jornal de Angola” sobre o Acordo Ortográfico!


Património em risco

 

“Os ministros da CPLP estiveram reunidos em Lisboa, na nova sede da organização, e em cima da mesa esteve de novo a questão do Acordo Ortográfico que Angola e Moçambique ainda não ratificaram. Peritos dos Estados membros vão continuar a discussão do tema na próxima reunião de Luanda.

A Língua Portuguesa é património de todos os povos que a falam e neste ponto estamos todos de acordo. É pertença de angolanos, portugueses, macaenses, goeses ou brasileiros. E nenhum país tem mais direitos ou prerrogativas só porque possui mais falantes ou uma indústria editorial mais pujante.

Uma velha tipografia manual em Goa pode ser tão preciosa para a Língua Portuguesa como a mais importante empresa editorial do Brasil, de Portugal ou de Angola. O importante é que todos respeitem as diferenças e que ninguém ouse impor regras só porque o difícil comércio das palavras assim o exige.

Há coisas na vida que não podem ser submetidas aos negócios, por mais respeitáveis que sejam, ou às “leis do mercado”. Os afectos não são transaccionáveis. E a língua que veicula esses afectos, muito menos. Provavelmente foi por ter esta consciência que Fernando Pessoa confessou que a sua pátria era a Língua Portuguesa.


Pedro Paixão Franco, José de Fontes Pereira, Silvério Ferreira e outros intelectuais angolenses (?) da última metade do Século XIX também juraram amor eterno à Língua Portuguesa e trataram-na em conformidade com esse sentimento nos seus textos. Os intelectuais que se seguiram, sobretudo os que lançaram o grito “Vamos Descobrir Angola”, deram-lhe uma roupagem belíssima, um ritmo singular, uma dimensão única.


Eles promoveram a cultura angolana como ninguém. E o veículo utilizado foi o português. Queremos continuar esse percurso e desejamos que os outros falantes da Língua Portuguesa respeitem as nossas especificidades. Escrevemos à nossa maneira, falamos com o nosso sotaque, desintegramos as regras à medida das nossas vivências, introduzimos no discurso as palavras que bebemos no leite das nossas Línguas Nacionais. Sabemos que somos falantes de uma língua que tem o Latim como matriz. Mas mesmo na origem existiu a via erudita e a via popular. Do “português tabeliónico” aos nossos dias, milhões de seres humanos moldaram a língua em África, na Ásia, nas Américas.

Intelectuais de todas as épocas cuidaram dela com o mesmo desvelo que se tratam as preciosidades.
Queremos a Língua Portuguesa que brota da gramática e da sua matriz latina. Os jornalistas da Imprensa conhecem melhor do que ninguém esta realidade: quem fala, não pensa na gramática nem quer saber de regras ou de matrizes. Quem fala quer ser compreendido. Por isso, quando fazemos uma entrevista, por razões éticas mas também técnicas, somos obrigados a fazer a conversão, o câmbio, da linguagem coloquial para a linguagem jornalística escrita. É certo que muitos se esquecem deste aspecto, mas fazem mal. Numa entrevista até é preciso levar aos destinatários particularidades da linguagem gestual do entrevistado.

Ninguém mais do que os jornalistas gostava que a Língua Portuguesa não tivesse acentos ou consoantes mudas.

O nosso trabalho ficava muito facilitado se pudéssemos construir a mensagem informativa com base no português falado ou pronunciado. Mas se alguma vez isso acontecer, estamos a destruir essa preciosidade que herdámos inteira e sem mácula. Nestas coisas não pode haver facilidades e muito menos negócios. E também não podemos demagogicamente descer ao nível dos que não dominam correctamente o português.

Neste aspecto, como em tudo na vida, os que sabem mais têm o dever sagrado de passar a sua sabedoria para os que sabem menos. Nunca descer ao seu nível. Porque é batota! Na verdade nunca estarão a esse nível e vão sempre aproveitar-se social e economicamente por saberem mais. O Prémio Nobel da Literatura, Dário Fo, tem um texto fabuloso sobre este tema e que representou
com a sua trupe em fábricas, escolas, ruas e praças. O que ele defende é muito simples: o patrão é patrão porque sabe mais palavras do que o operário!

Os falantes da Língua Portuguesa que sabem menos, têm de ser ajudados a saber mais. E quando souberem o suficiente vão escrever correctamente em português. Falar é outra coisa. O português falado em Angola tem características específicas e varia de província para província. Tem uma beleza única e uma riqueza inestimável para os angolanos mas também para todos os falantes. Tal como o português que é falado no Alentejo, em Salvador da Baía ou em Inhambane tem características únicas. Todos devemos preservar essas diferenças e dá-las a conhecer no espaço
da CPLP. A escrita é “contaminada” pela linguagem coloquial, mas as regras gramaticais, não. Se o étimo latino impõe uma grafia, não é aceitável que, através de um qualquer acordo, ela seja simplesmente ignorada. Nada o justifica. Se queremos que o português seja uma língua de trabalho na ONU, devemos, antes do mais, respeitar a sua matriz e não pô-la a reboque do difícil comércio das palavras.”